Às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar
À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar "
(Agostinho Neto, cadeia do Aljube, Portugal, 1960)
Profecia e certeza. Voltámos ao nosso carnaval. Voltámos à Angola libertada e independente. Corremos com os sul-africanos e, como prémio, recebemos o carnaval da vitória, cuja primeira edição aconteceu em 1978.
Os carcamanos foram corridos de Angola.Saborearam o amargura do pão que o diabo amassou. E os angolanos voltaram ao seu carnaval. Seu entre aspas, porque ele também apareceu com a colonização. Foi, também entre aspas, importado.
Mas os angolanos voltaram ao seu carnaval. À sua festa. Aquela que, mesmo nos tempos da colonização, servia como máscara para preparar os caminhos para a libertação política, económica e cultural. Os angolanos transformaram o enlatado naquilo que Roldão Ferreira chama de maior festa do povo angolano. E não só.
O carnaval na opinião de estudiosos do tema
ORIGENS DO CARNAVAL
Afinal, qual a origem do carnaval? Esta é uma questão que, até hoje, divide os estudiosos. Muitos são os estudos sobre este fenómeno da cultura popular, mas nenhum deles conseguiu estabelecer com precisão como, quando ou onde a festa começou.
Da mesma forma, a origem da própria palavra carnaval é controversa: para uns, o vocábulo advém da expressão latina carrum novalis (carro naval), que seria uma espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos abriam suas comemorações.
Outros acreditam que a palavra vem da expressão carne levare que, no dialeto milanês, quer dizer o tempo em que se tira o uso da carne – ou seja a Quarta-feira de Cinzas, quando se anuncia a supressão da carne devido à Quaresma.
Todos os estudiosos, porém, concordam que a origem do carnaval está, de alguma forma, relacionada aos cultos criados por povos antigos para comemorar uma boa colheita agrária.
Assim, a origem do carnaval pode estar no antigo Egipto, nos festejos em homenagem à deusa Isis e ao Touro Apis, ou nos rituais louvor a Dionísio que aconteciam na Grécia entre os anos 605 e 527 antes de Cristo.
A maioria dos estudiosos, contudo, acredita que o carnaval tem raízes nas celebrações do Império Romano chamadas Saturnálias, realizadas ainda antes do nascimento de Cristo.
As Saturnálias eram festas em homenagem ao deus do tempo, Saturno. Elas aconteciam nos meses de Novembro e Dezembro, sob a protecção de Baco, o deus do vinho, e reuniam todos os segmentos da sociedade, desde membros da nobreza aos escravos, numa quebra total da hierarquia social da época.
Tanto que o rei da festa, o Rei Momo, era escolhido dentre os escravos, a classe social mais baixa de Roma, e durante os festejos ele tinha a primazia de poder ordenar o que quisesse, pois seria atendido.
Assim, sob a protecção de Baco e sob as ordens de Modo, todos se misturavam nas ruas para as comemorações, que incluíam muita comida, bebida, música e dança – como se vê, nada muito diferente do modelo de carnaval adoptado em vários países.
Mais tarde, com a ascensão da Igreja Católica, começou um clima de censura a tais festejos, cujos excessos (muita comida, bebida e desordem) chocavam com as recomendações de austeridade religiosa.
A Igreja chegou mesmo a pensar em proibir a festa mas, com receio de perder fiéis, numa época em que estes ainda eram poucos, acabou por encontrar uma forma conciliatória: no ano 325 foi decidido que os quarenta dias antes da Páscoa deveriam ser reservados apenas para orações e jejuns.
Assim, os festejos foram transferidos para o período anterior a esse intervalo de tempo de quarenta dias, conhecido como Quaresma.
Com o passar do tempo, essas festas se espalharam por toda a Europa, sendo realizadas em Roma, Paris, Veneza, Munique, Nápoles, Florença, Nice, e não só.
Os festejos chegaram a Portugal nos séculos XV e XVI, com o nome de entrudo, ou seja, introdução à Quaresma. Inicialmente, o evento tinha uma característica essencialmente gastronómica.
Logo ganhou ares de folguedo agressivo entremeado por alguma violência, marcado por loucas correrias pelas ruas, com as pessoas lançando baldes de água, farinha, ovos, tintas e até lama sobre as outras.
Inicialmente, faziam-se esferas de cera bem finas com o interior cheio de fedorentas que eram atiradas sobre as pessoas. Alguns foliões mais ousados, contudo, começam a injectar no interior das laranjinhas ou limões-de-cheiro substâncias malcheirosas e impróprias para a festa.
Foi exactamente esse tipo de entrudo violento e anárquico que os portuguesas, do continente, levaram para as suas Ilhas da Madeira e Açores, bem como para Cabo Verde, Angola e Brasil.
O CARNAVAL EM ANGOLA
Nas colónias, o entrudo ganhou outras características, com a introdução de cantos e danças de origem africana, evoluindo para a forma como o carnaval hoje é comemorado em Angola e no Brasil.
Luanda - Trazido pelos portugueses, o carnaval chegou a Angola provavelmente por volta de meados do século XIX, mesmo período em que aportou em outras ex-colónias lusas, como Brasil e Cabo Verde.
Desembarcou em África ainda com o nome de entrudo, que era como se chamava, em Lisboa, um tipo de festejo agressivo, marcado por certa dose de violência, com as pessoas a lançar sobre as outras desde água fedorenta (acondicionada em esferas de cera) até baldes de água, farinha, ovos, tintas e lama.Em Angola, a festa logo ganhou outras características, com a animada introdução, pelos angolanos, de uma enorme variedade de cantos e danças nacionais.
Gradualmente, como aconteceu noutros países, o entrudo em Angola foi perdendo o seu carácter de festa agressiva , facto que contribuiu para aumentar mais ainda a participação popular.
A partir da primeira metade do século passado, a festa ganha uma dimensão classista: a maioria da elite colonial recolheu-se aos bailes fechados nos clubes da época, ficando o carnaval de rua praticamente restrito aos nacionais.
A única excepção nessa divisão era o chamado corso, um desfile de carros alegóricos que percorria as ruas centrais de Luanda, Benguela, Lobito e outras cidades, e do qual participavam também militares, profissionais liberais, pequenos empresários e outros integrantes da elite sócio-económica da época.
Com o passar dos anos (que também coincidem com o aumento gradual da renda dos então depauperados)o carnaval começa a ostentar a divisa de festa para toda a gente, sobretudo nas áreas urbanizadas do país.
É assim que o carnaval realizado na cidade de Lobito durante o período que vai do final da década de 60 até o princípio da década de 70 do século passado, chegou a ser considerado pela crítica nacional e internacional como a segunda melhor festa do género no mundo, logo a seguir à do Rio de Janeiro, no Brasil, conforme revelou à Angop a directora do Arquivo Histórico Nacional, Rosa Cruz e Silva.
De facto, os festejos carnavalescos no Lobito, município da província de Benguela, se tornaram, naquela época, uma grande atracção turística, comparada mesmo ao carnaval carioca. A cidade recebia visitantes de outras províncias angolanas e até mesmo do exterior, durante o período de carnaval.
No Lobito, a festa movimentava quase toda a população da cidade que participava animadamente tanto do desfile como dos vários bailes promovidos pelos clubes locais, com destaque para os promovidos pelo Atlético do Lobito, uma associação recreativa e desportiva daquele município.
Outro facto marcante do carnaval do Lobito, segunda a historiadora, era a intensa participação das empresas locais, e não só, que ajudavam na organização e nos preparativos da festa. Os empresários apoiavam sobretudo na confecção dos carros alegóricos que participavam do desfile, motivo pelo qual, de ano para ano, eles se tornavam cada vez melhor elaborados, sofisticados e atractivos.
Rosa Cruz e Silva destacou que, na época, ainda em pleno regime colonial, as autoridades portuguesas, em Benguela, faziam de tudo para evitar manifestações populares de contestação ao regime. Mesmo assim, o grupo autóctone Malamba da Anha do Norte ( 15 Km a norte do Lobito) era o mais apreciado e aplaudido ao apresentar-se de forma genuína e própria, com danças e musicas únicas na época.
Ao analisar o fenómeno carnavalesco em Angola, a directora do Arquivo Histórico Nacional lembrou que essa manifestação cultural tem raízes europeias, mas aqui ganhou a contribuição das populações nativas, que introduziram usos, costumes, ritmos e sons novos, transformando a festa e conferindo-lhe as características actuais.
A historiadora fez ainda menção a uma brochura publicada em 1986 pela Comissão Preparatória do carnaval, que apresenta uma retrospectiva do folguedo em Angola desde o século XIX, com referências aos festejos carnavalescos em Benguela, Lobito e Catumbela.
Segundo essa retrospectiva, o carnaval da Catumbela é o festejo carnavalesco mais antigo em Angola, pois dados históricos mostram que o folguedo já ali se realizava em 1890.
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